sábado, outubro 15, 2005

O Chamado da Morte

Viajar é preciso mas dependendo da viagem , a volta transforma-se na grande dificuldade. Todos os dias conhecemos casos de pessoas que realizaram viagens sem volta.O mais antigo hiato de tempo registro como elucidativo da fragilidade da vida. Estávamos em Joaçaba , fazendo a cobertura de uma bobagem envolvendo algum vendedor de salsicha do meio oeste. Era tarde da noite e, cansados , ouvimos os apelos do motorista – grávido de nove meses – para voltarmos imediatamente para a Capital.
O certo seria beber aquele banho , buscar uma horizontal e zarpar bem cedinho, todos refeitos da jornada. Mas concordamos porque, afinal, não iríamos dirigir. Ainda bem que não consegui pegar no sono porque,à altura da Serra do Mar, antes de Urubici, percebi com meio olho que a kombi estava saindo da pista.
Dei um salto do desconfortável banco e olhei para o surfista crente , nosso motorista. Dirigia de olhos fechados. Puxei o volante para a direita e disparei dois tapas na cara do candidato a pai quase prematuramente morto – tinha apenas 24 anos.
Alguns dias depois descobri que nosso motorista não tinha sido atacado pelo sono. Quem o buscava naquela noite era a morte – Heron teve um infarto agudo e perdeu uma das boas coisas da vida, viajar com o crescimento de um filho.
O segundo flagrante da insignificância da vida tive numa viagem para Divinópolis. Acordamos ainda noite para partir às 4 da madrugada. Carro cheio, dirigi ininterruptamente por 16 horas, só parando para abastecer e ir ao banheiro. Comemos no carro, conversamos muito, ouvimos música , as crianças dormiram, todos dormiram e descobri-me só , diante do infinito segundo que separa a vida e a morte, numa curva da Fernão Dias.
Um automóvel ultrapassou em sentido contrário, não conseguiu vencer o caminhão e ficamos meio que frente a frente, sem direito a acostamento porque a pista estava( ainda está!) em obras. Acabamos abençoados porque descobrimos espaços onde não havia e saímos ilesos, nós e o outro motorista , do qual , juro , pude ver os olhos esbugalhados de terror.
Passamos dez maravilhosos dias numa fazenda e voltamos sãos e salvos ao lar . Estas duas histórias permitiram-me mais uma viagem dentre as muitas que realizo com prazer – embrenhar-me na rodovia das letras , dividindo pistas com substantivos advérbios, adjetivos pronomes ,singulares orações , pleonasmos e vocativos , palavras síntese do caminho que o cérebro trilha a cada novo dia, nova viagem da imaginação.

Márcio Dison