sábado, outubro 15, 2005

O Amor

Poderia ter sido um dia como tantos outros.
Um dia triste repleto de nuvens cinzentas contidas, preocupadas em esconder a sua tristeza, mas sem sucesso, deixando escapar por vezes umas gotas aqui outras ali.
O vento soprava suavemente tentando animá-las fazendo com dançassem ao som de uma valsa voltando-se ora para um lado ora para outro.
A tristeza era tanta que não davam sequer a possibilidade ao sol de aparecer.

Inesperadamente eis que surge um som trazido pelo vento, não ouvido há muito tempo.
Alheios a tudo tocaram os sinos da Sé, tão fortemente que era possível ouvi-los a quilómetros de distância como que se anunciassem que algo se iria passar.
De facto aconteceu naquela terça – feira e antes que tocasse a ultima badalada, nascia um menino lindo de olhos cor-de-mel, de pele tão branca como as nuvens felizes e chorão com se espera que os bebés sejam.

Como que por magia as nuvens e o vento desapareceram, dando lugar a um céu lindo azul claro e permitindo ao sol brilhar de alegria.
A partir desse dia nunca mais se ouviu falar nas nuvens cinzentas.

O menino crescera feliz entre muita brincadeira e traquinice, como outra criança qualquer.
Meigo desde que nascera, demonstrou desde sempre uma grande paixão pelas coisas belas que a vida lhe oferecia.
Dava atenção ás coisas mais simples, aquelas que embora estejam ao alcance de todos, ninguém vê, resvalando na indiferença.

Como tudo levava a crer, tornou-se um lindo jovem com um sorriso de uma simplicidade sem limites, e exibindo-o, esperava com isso mudar o mundo, sempre preocupado com tudo o que o rodeava que por vezes se esquecia de viver.
Passados alguns anos, ao passar por um jardim, algo lhe fez despertar aquela curiosidade que tanto o caracterizava.

Reparou então que entre as mais belas e coloridas flores do jardim, estava uma flor diferente. Poderia ter passado despercebida, rodeada de tanta beleza, cor e perfume, mas a sua tristeza transparecia por entre a sua cor lilás.
O sol parecia não conseguir chegar até ela, por mais que tentasse, reflectia sem conseguir penetrar, sentindo-se recusado por motivos que não compreendia.

À medida que o jovem se aproximava dela, mais encantado ficava com a sua beleza triste e com o seu perfume único.
Já perto dela, ajoelhou-se na terra húmida.

Sem razão aparente, toda aquela magia parecia ter entrado no seu coração, ficando horas contemplando a sua beleza.
O que sentia não era comparável a qualquer outro sentimento que já tivera, tornando-o assim único.
Uma atracção quase que doentia o atraí-a aquele lugar e todos os dias àquela hora se repetia a magia, fiéis a um ritual que ambos se habituaram fazendo já parte das suas vidas.
A flor correspondia ao encanto, desde o primeiro encontro parecia ter feito as pazes com o sol, deixando que a sua alegria iluminasse as suas pétalas e deixando de ter aquele aspecto triste que sempre tivera.

Muito embora não conseguissem falar, existia entre eles uma cumplicidade irracional, sentimentos inexplicáveis por razões óbvias, num mundo de regras e convenções impostas desde que nascemos, não permitindo que a vida nos pertença por completo, mas, que pelo menos nos é permitido sem censura no universo da fantasia.

Maria Helena Santos