sábado, outubro 15, 2005

A Hora

Uma hora ele seria alcançado e aí? Aquele espectro o devoraria? Sugaria todo seu sangue e o deixaria ali até o amanhecer, até que um qualquer o encontrasse? Apalpou o bolso da camisa em busca do maço de cigarros, como o último desejo de um condenado à morte. A primeira tragada quase o fez esquecer daquela massa amorfa e negra, não fosse o barulho que ela fazia: parecia um arrastar de carne fresca. Talvez ela só queira sua alma, para dar luz àquela negritude... Ela, agora, estava ainda mais negra e mais perto. E se ela quiser apenas seu corpo para esconder-se nele e penetrar despercebida no mundo humano?
Um arrepio estranho. Era aquela a hora. Ela estava perto demais. Ele sentia seu respirar denso e seu cheiro forte. Sentia até um gosto suave na boca. Último trago no cigarro - sensação de morte súbita.

Flávia Casarejos